sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Com a palavra...

Bobo Plin em 'Reflexões sobre a Arte Cênica' 

Teatro só faz sentido quando é uma tribuna livre onde se pode discutir até as últimas consequências os problemas dos homens.
A arte é uma magia, a gente aprende, mas ninguém ensina.
A técnica é uma coisa mecânica. Disso ninguém duvida. Mas os artistas, por mais sensíveis que sejam, não podem dispensá-la.
Precisa apurar a técnica com muito treino até incorporá-la totalmente. Até poder usá-la de forma que ninguém perceba que ele tem técnica. 
Isso! Tem que usar a técnica sem pensar nela, sem sentí-la!
Aí então o artista pode se valer da técnica para extravasar seus sentimentos. No sentido de aprender a técnica a escola pode ser útil.
Existem dezenas de cursos de arte dramática na cidade. Existem milhares de aprendizes de ator nesses cursos, porém só um número reduzido deles assistem os espetáculos em cartaz. Esses estudantes querem ser artistas, mas não amam a arte. Alegam dificuldades financeiras para não verem as peças. Mentira. Não tem amor ao teatro. Por isso nem pensam em sacrificar suas cervejas por um bom espetáculo. O pior de tudo é que os seus professores nem sequer sugerem aos atores que devem ver os grandes atores em cena.
Um diretor não pode dar nada ao ator. Pois não há o que dar. Um diretor pode instigar um ator a procurar o que precisa dentro de si mesmo. Por mais que o ator insista em pedir luz ao diretor, esse não pode ir além do limite de incentivador. Mesmo que tente, o diretor não conseguirá dar, quanto mais tentar. Mas diretor e ator vão se embrutecendo, se reduzindo. O diretor a um adestrador e o ator a um animal treinado. Nada que vem de fora ajuda o ator a criar seu personagem, esse tem que nascer de dentro do ator. Nutrido de coisas que estão dentro dele.
Um dia, fui assistir a um ensaio teatral. Não gosto disso, mas fui. Desse ensaio participavam um velho ator, cheio de experiência, um jovem ator cheio de entusiasmo e um diretor cheio de sucesso. O velho ator se valia de truques, caretas, clichês. O jovem ator se esforçava, gritava, espumava e inchava a veia do pescoço, suava. O diretor, com mau humor, tenso, [tinha] desprezo pelo trabalho [e] se limitava a corrigir as marcas. Nem um deles procurava nada. Por que ensaiavam? Não sei.

Encontrei uma bela moça que se formou em arte dramática. Perguntei o que pretendia fazer. Sem constrangimento respondeu que tinha levado fotos numa agência de publicidade e aguardava chamadas para participar de comerciais. Será que alguém precisa estudar pra isso?
Eu logo reconheço quem está no teatro obedecendo a um imperioso apelo vocacional ou quem está procurando espaço para passear sua beleza. Aos primeiros trato como irmãos. É. Sente que exerce seu ofício como sacerdócio. Merece todo meu respeito, minha admiração, meu amor. Do segundo tipo de gente tenho pena. Jamais a arte e a poesia vão brotar do interior de pessoas fracas.
Aonde existe autoritarismo o artista é sufocado. O autoritarismo gera o obscurantismo que favorece o copiador, o bobo da corte e os senhores da estética decorativa. 
O crítico de arte tem muita importância no sentido de ajudar o artista a conscientizar seu trabalho, a registrar se as propostas foram realizadas, as metas atendidas. Esse é no meu entender o papel do crítico. Porém, quando um indivíduo, porque tem espaço em jornal, TV, rádio, se nomeia crítico e passa a escarrar a regra dizendo sem cerimônia o que o artista devia ou não devia fazer ou então, se limitando a dizer que uma coisa é bonita ou feia, sem saber dar explicações, fundamentar suas opiniões, esse indivíduo não passa de um cretino daninho. Na medida da tiragem do jornal onde escreve ou da audiência do seu programa, deve ser desprezado pelos artistas, porque pelo público são completamente ignorados.
O ator começa a ficar soberano do seu talento quando ganha consciência de que entra palco para servir e não para ser servido.  

Plínio Marcos


*texto extraído de um dos manuscritos de Plínio Marcos publicado no site: www.pliniomarcos.com