sábado, 14 de janeiro de 2012

Cia. Quanta se despede de Rio Claro


Acompanhe aqui, na íntegra, a entrevista concedida ao Guia Rio Claro. Reportagem: Kathleen Rebustini / Entrevistada: Alyne Arins

1 - Quais foram os ultimos trabalhos desenvolvidos? Nos ultimos 2 anos.

 O trabalho da Cia sempre foi muito intenso e nunca se restringiu apenas à formar atores de teatro. Após firmar parceria com o Grupo Kino Olho de Cinema, por exemplo, realizou nestes dois últimos anos diversos curtas metragens, entre eles “O teste” (roteiro de Cláudio Lopes), O matuto” e “O sonho” ambos roteiros de Val Morari, Delírios, Brás Cubas que inclusive foi vencedor do prêmio Curta Claro, mostra competitiva de nível nacional, O cangaceiro com roteiro de Fernanda Tosini que ainda está em processo de edição, a finalização da trilogia “Heterônimos de Pessoa” baseado na obra de Fernando Pessoa. Realizamos as últimas gravações no ano de 2010 onde foi realizado um filme sobre Álvaro de Campos e alguns de seus principais poemas, entre outros. Tudo está disponível para acesso tanto no blog da Cia. como no blog do Kino Olho, assim como na rede de vídeos you tube e vímeo.
Além disso, houve a montagem de “A terceira margem do rio” baseada no conto homônimo de Guimarães Rosa com os usuários do CAPS III 18 de maio, também de “Perdoa-me por me traíres” de Nelson Rodrigues com o elenco da Cia. juntamente com os alunos do curso de teatro do Centro Cultural e “A menina de lá” uma adaptação de Guimarães Rosa apresentada pelos alunos do curso infantil no centro cultural.
Com o intuito de expandir os horizontes e mostrar nosso trabalho em espaços diversos, montamos Navalha na carne de Plínio Marcos, montagem que nos rendeu muitas alegrias e sucesso por onde passamos, inclusive quando participamos com um ensaio aberto dessa montagem da Mostra Fausto Brunini organizada pela atriz Michele Dayane. 
Marcamos presença também em diversos eventos do calendário oficial da cidade entre eles posso citar: desfile cívico do aniversário de Rio Claro, abertura do Baile Dourado de carnaval no centro cultural, Semana da mulher, Programa Nacional de Combate ao HIV com a peça “Amor quando é amor” que fala sobre a prevenção da doença em parceria com a Fundação de Saúde. Além dos infantis O menino do dedo verde, Memórias de Emília e A canção de Assis que fizeram parte do nosso repertório infantil através das quais atendemos com apresentações por diversos anos consecutivos a rede municipal de ensino.
Desenvolvemos também o Quanta Cultura, mostra de cultura popular realizada no primeiro sábado de cada mês, onde artistas de diferentes segmentos e locais puderam desfrutar do espaço para mostrar a sua arte.
Em parceria com a bailarina flamenca Sandra Brás, falecida recentemente, desenvolvemos um curso de Sevilhanas e Ritmo Flamenco oferecidos gratuitamente para a população, além de realizarmos com ela muitas apresentações, performances e encontros inesquecíveis.
Trabalhamos também em parceria com o DAEE de Rio Claro uma mostra cultural que se denominou “Quanta água pelo cano”, na ocasião em que a prefeitura municipal realizou a troca das tubulações antigas de transporte de água por outras novas. Nesse momento, tivemos como parceiros novamente Sandra Brás, o artista plástico José Roberto Sechi, o escultor Carlos Lacerda e o músico e compositor Daniel Angi.
Trabalhamos também atendendo a empresas de grande porte como a Whirlpool de Rio Claro e SESC Birigui, Presidente Prudente e Bauru.
Entre tantas outras coisas, promovemos no final de 2011 a XIV Mostra Quântica de Teatro que apresentou durante mais de uma semana espetáculos gratuitos para o público no Centro Cultural, fomos apoiadores do Festival Nacional de Cinema Independente organizado pelo Grupo Kino Olho e contribuímos com a publicação de artigos para a revista ‘Cinema Caipira’ organizada pelo cineasta João Paulo Miranda.
Outro artista que também foi nosso grande parceiro nesses anos todos foi Renê Mainardi com quem trabalhamos com apresentações em seus saraus entre outros. Letícia Tonon é outra artista de grande respeito e de nossa admiração com quem sempre pudemos contar na produção de curtas, performances etc
Foram muitas as pessoas que marcaram nossa história e aproveito o momento para reafirmar nossa gratidão eterna a todas elas. Posso não me lembrar de todas no momento, mas não posso deixar de citar além das que mencionei anteriormente, a colaboração e a amizade de Tiago Buoro, Thiago dos Santos, Val Morari, Dan Prazeres e Ricardo Andrade. Dona Ângela, Ariovaldo Bueno, Marcos Gomes, Dona Divanilde, Janaína Augusto da Grasifs, Milton do Sindicato dos Químicos, Marcão, D. Olga Maurício, também falecida recentemente, Kizie, os grupos de capoeira da cidade, e todos que fazem parte da resistência negra de Rio Claro.  Com eles pudemos nestes dois últimos anos trabalhar em conjunto para a Semana da Consciência Negra e outros eventos da comunidade. Luiz Mioto e Neide, Zulu Kamarão, Guilherme Oráculo, Gil Farias, Márcio Momesso, Fabiano Franco, Renata Laili entre muitos outros artistas são pessoas a quem devemos muita gratidão por tudo o que foi conquistado. Já peço perdão se não citei o nome de alguém, pois é até impossível lembrar de todos, uma vez que foram muitos os colaboradores e os amigos que cultivamos ao longo desse percurso.
Em 2011, realizamos o Teatro, Tabaco e Baco, um evento de arte espontânea e instantânea onde a espontaneidade era a convidada principal e infalível. Houve também uma parceria com a professora Juliana D’Urso para a realização de uma oficina de dança e expressões para mulheres idealizada por ela.

1    2 -    Qual a visão que a Cia Quanta tem da area cultural em Rio Claro?

A tendência do fomento cultural em Rio Claro é sem dúvida ficar cada vez mais intenso. Desse modo, o que era bom, pode ficar cada vez melhor. Sabemos que muitos são os problemas que afetam nossa cidade no sentido do fortalecimento das políticas públicas para a cultura, porém temos a consciência de que isso não é exclusividade de Rio Claro. A dificuldade de sobrevivência dos artistas é geral, é nacional, é global. Há cada vez mais gente e menos espaço, dinheiro então nem se fala. O problema é quando há um número muito grande de pessoas que se dizem artistas e que por algum motivo deixam de mostrar seu trabalho.
 Isso não pode acontecer. Ser artista é marcar presença, é participar e, sobretudo, exercer a prática da resistência. Apesar de termos sido apoiados financeiramente pelo poder público local durante os últimos sete anos, o nosso trabalho se iniciou sem nenhum recurso material. O que tínhamos era a vontade de realizar, de sacudir, de mexer com o público, de contar histórias verdadeiras para as crianças e isso fez toda a diferença. Foram sete anos (de 1997 a 2004) trabalhando junto à comunidade voluntariamente, a subvenção surgiu em um momento onde naturalmente necessitávamos de fôlego e graças à vontade política e à sensibilidade de Cláudio de Mauro, que era prefeito naquele momento, e de alguns vereadores como Sérgio Desiderá e Raquel Picelli, conseguimos permanecer na cidade de outro modo e continuando a realizar.

3 - Vão se mudar para onde e porque tomaram essa decisão?
A Cia. Quanta de Teatro não deixa de existir em função da mudança, gostaria de frisar isso. Ela continua na luta e trabalhando em busca de se renovar e também de se atualizar. Assim como a vida não pára, o conhecimento e as inspirações também não. Nos sediaremos em Jundiaí, cidade próxima a São Paulo, onde o circuito cultural é bastante intenso e onde há novidades e muita troca o tempo todo. Jefferson Primo, o diretor da Cia. iniciou sua carreira há trinta anos lá, no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho, eu sou natural de São Paulo e também por lá tenho minha história. É um bom lugar para um recomeço feliz.

4 - A Cia recebia apoio da prefeitura para realizar seus projetos. Qual a visão que a Cia Quanta tem da ultima administração ( prefeito Dú, Secretario Ney e diretores da cultura... Curinga, Odecio, Orlando.. ? Quem é o Sergio Desiderá para a Cia? Como é o reconhecimento do teatro (como arte e cultura) e da Cia dentro da administração local? E reconhecimento na cidade?

Como falei anteriormente passamos a receber esse apoio financeiro de sete anos pra cá e desde então sentimos que a tendência é que esse tipo de apoio se amplie cada vez mais. Tenho notado que paulatinamente as prefeituras municipais têm percebido de modo geral que com cultura também se faz circulação de dinheiro. Sem dúvida nenhuma, sai na frente aquela, cuja administração compreendeu isso, pois muita coisa pode ser mudada a partir da cultura, inclusive violência, analfabetismo, corrupção, a proliferação de doenças por falta de informação, o número de trabalhadores informais como é o caso da maioria dos artistas. Além do que o turismo é algo que toda cidade deveria investir, pois toda cidade carrega sua história, seu patrimônio histórico, seus artistas. Rio Claro, ainda não chegou nisso, mas não estão sendo poupados esforços para que isso aconteça. Havemos de compreender também que muitos artistas lutam em busca de dignidade e autonomia em seu trabalho, porém não podemos esquecer que autonomia e direitos são coisas que se conquistam, ou seja, nenhum poder, por mais progressista que seja, atribui autonomia a ninguém sem luta. É preciso querer para poder e antes de querer é preciso manter-se consciente de que a trajetória é árdua. Nem me lembro quantas vezes fizemos apresentações por acreditar nisso, sem dinheiro nenhum nenhum. Quando havia ainda o trabalho da Cia. na cidade de Jundiaí nos anos de 1992 a 1999, por exemplo, também sofríamos com falta de espaço e demais problemas. Ensaiamos debaixo de viaduto, salão de clube desativado, saguão de botequim, em praça pública e etc. Aqui em Rio Claro também. Nos primeiros sete anos, ensaiamos em sala de aula emprestada, na sala de visitas na casa de alguém e aos poucos fomos avançando, persistindo até que pudemos usufruir das salas do centro cultural, também não sem problemas por se tratar de um espaço público, onde logicamente devíamos sempre respeitar a programação do local.
Embora as dificuldades sejam inevitáveis, somos muito gratos à Prefeitura, à secretaria municipal de cultura e à Fundação Municipal de Saúde, pois sem a credibilidade deles tudo ficaria ainda mais difícil, porém não impossível...
Penso que antes de criticar a administração atual, devemos lembrar que Rio Claro tem um legado histórico bastante paradoxal. Ao mesmo tempo que é uma cidade, cuja história é marcada por ações progressistas e inovadoras, sobretudo no campo da cultura, é por outro lado extremamente conservadora e esse conservadorismo, por incrível que pareça, em muitos momentos advém de onde menos se espera, inclusive de alguns artistas e intelectuais da cidade. Nesse sentido, creio que se Rio Claro ainda carrega o estigma de ser uma cidade conservadora, retrógrada ou coisa parecida (pois é isso que se houve falar e muito), isso se deve principalmente porque seus habitantes como um todo sustentam de alguma forma essa ideologia. E nesse sentido, para nós, uma pessoa que podemos considerar o braço forte da resistência em Rio Claro, é sem dúvida Sérgio Desiderá. Um político que sabe honrar sua cadeira e que compreende as necessidades de seu povo, além de lutar por melhorias o tempo todo e apaixonadamente. E foi, assim, com paixão pela arte que Sérgio nos brindou sempre com seu apoio, sua amizade e sua presença em nossos espetáculos.
Não posso deixar de falar do ex-prefeito Cláudio de Mauro, que com muita coragem e ousadia procurou alternativas para que nós não sucumbíssemos a todas as dificuldades que tivemos de enfrentar nos primeiros sete anos na cidade. O que Cláudio fez para a Cia. Quanta de Teatro não tem preço. A ele nossa gratidão eterna.

5 - A Cia recebia qual valor, como subvenção, para realizar seus trabalhos?

No último ano recebemos o equivalente a R$ 85.000,00 ano. Isto dá uma quantia de R$ 7.084,00 por mês.

6- Qual a visão da Cia com relação ao Sistema Municipal de Cultura e a abertura de editais para aprovação de projetos?

Ao contrário do que muita gente pensa, subvencionar entidades não é algo de todo ruim. Um dos aspectos positivos disso é o fato de que a subvenção só pode ser repassada mediante aprovação de lei. Uma vez aprovada a lei, fica garantido o repasse independente da administração que esteja na situação, pois nesse caso, depende da aprovação do legislativo. O ideal é que isso combine com uma política pública e estratégias para a cultura muito bem delineadas, pois caso contrário, qualquer um pode reivindicar subvenção e ter seu projeto aprovado e nem por isso suprir as necessidades do município nem oferecer ao público um trabalho de qualidade.
Sobre isso, lembro que gostei muito da conversa que tive recentemente com o secretário de cultura de Araras, o Mussa, que me disse haver entidades na cidade subvencionadas e que realizam um trabalho muito bom. Lá, não são grupos subvencionados, mas associações de artistas que ao receberem a verba da prefeitura fazem a contratação dos artistas para fins diversos como para a realização de cursos oferecidos gratuitamente para a população, montagem e apresentação de espetáculos, oficinas diversas etc. Funcionam, portanto, como conveniadas da prefeitura que terceirizam o trabalho do artista. Claro que para qualquer trabalhador, essa também não é a condição ideal, mas pode ser um caminho. A questão é que em Rio Claro a idéia subvenção acabou ficando muito fragmentada, dando a impressão de que alguns grupos recebem e outros não e é daí que surgiu a confusão. Porém, convenhamos que com um repasse de sete ou oito mil por mês não facilita para que entidades como Banda Sinfônica, Quanta ou Kino Olho contratem artistas para que realizem seus projetos, não porque não querem, mas porque é impossível.
No caso da Cia. Quanta, por exemplo. Tínhamos a verba e lá vinham as críticas: “vocês são uma Cia. tem dinheiro, nós não!” – O fato que muita gente não entendeu é que jamais realizamos o trabalho de uma Cia. de teatro pura e simplesmente. Se assim fosse, tínhamos que montar espetáculo e apresentar e só, pois é isso que uma Cia de teatro faz. O nosso trabalho extrapolou os limites de uma Cia. Na verdade, exercemos nesse tempo todo o papel de uma associação, onde agregamos artistas, fizemos parcerias, oferecemos cursos (não só de teatro), promovemos e organizamos mostras como a União Teatral de Rio Claro e outras e toda essa produção paga com o dinheiro da subvenção. Sendo assim, se não pudemos dar um cachê digno para os artistas que trabalharam conosco nesse tempo todo, não foi por mesquinharia, mas por pura impossibilidade.
Agora, a questão do edital me preocupa um pouco, pois o edital vai contemplar um projeto ou outro e principalmente quem domina a área de formatação de projetos. Tem muita gente boa que não consegue trabalhar porque não sabe escrever projeto, por outro lado, tem muita gente ruim trabalhando porque sabe apresentar um projeto incrível.
Do mesmo modo como para se aprovar a subvenção depende-se dos vereadores, do secretário de cultura e do Prefeito, para ser aprovado num edital o projeto também deverá ser avaliado por uma comissão ou algo parecido. Resumindo, creio que a cidade pode tranquilamente usufruir dos dois mecanismos para o incentivo e realização de projetos que poderiam se organizar assim: subvenção para entidades e associações interessadas em trabalhar para o município propriamente e sua comunidade atendendo aos requisitos da política pública local (que tem de existir diga-se de passagem) e editais para quem deseja realizar um projeto particular para fins diversos que não contemplem somente o município, por exemplo.


7 - Gostariam de fazer alguma consideração ou dizer algo que não foi dito aqui?
 Apenas agradecer pelo interesse do Guia Rio Claro em nos solicitar essa entrevista e desejar boas inspirações a todos que permanecem lutando por uma Rio Claro ainda melhor.