Acompanhe aqui, na íntegra, a entrevista concedida ao Guia Rio Claro. Reportagem: Kathleen Rebustini / Entrevistada: Alyne Arins
1 - Quais foram os ultimos trabalhos desenvolvidos? Nos ultimos 2 anos.
O trabalho da Cia sempre foi muito intenso e nunca se restringiu
apenas à formar atores de teatro. Após firmar parceria com o Grupo Kino Olho de
Cinema, por exemplo, realizou nestes dois últimos anos diversos curtas
metragens, entre eles “O teste” (roteiro de Cláudio Lopes), O matuto” e “O
sonho” ambos roteiros de Val Morari, Delírios, Brás Cubas que inclusive foi
vencedor do prêmio Curta Claro, mostra competitiva de nível nacional, O
cangaceiro com roteiro de Fernanda Tosini que ainda está em processo de edição,
a finalização da trilogia “Heterônimos de Pessoa” baseado na obra de Fernando
Pessoa. Realizamos as últimas gravações no ano de 2010 onde foi realizado um
filme sobre Álvaro de Campos e alguns de seus principais poemas, entre outros.
Tudo está disponível para acesso tanto no blog da Cia. como no blog do Kino
Olho, assim como na rede de vídeos you tube e vímeo.
Além disso, houve a montagem de “A terceira margem do rio” baseada no
conto homônimo de Guimarães Rosa com os usuários do CAPS III 18 de maio, também
de “Perdoa-me por me traíres” de Nelson Rodrigues com o elenco da Cia.
juntamente com os alunos do curso de teatro do Centro Cultural e “A menina de
lá” uma adaptação de Guimarães Rosa apresentada pelos alunos do curso infantil
no centro cultural.
Com o intuito de expandir os horizontes e mostrar nosso trabalho em
espaços diversos, montamos Navalha na carne de Plínio Marcos, montagem que nos
rendeu muitas alegrias e sucesso por onde passamos, inclusive quando
participamos com um ensaio aberto dessa montagem da Mostra Fausto Brunini
organizada pela atriz Michele Dayane.
Marcamos presença também em diversos eventos do calendário oficial da
cidade entre eles posso citar: desfile cívico do aniversário de Rio Claro,
abertura do Baile Dourado de carnaval no centro cultural, Semana da mulher,
Programa Nacional de Combate ao HIV com a peça “Amor quando é amor” que fala
sobre a prevenção da doença em parceria com a Fundação de Saúde. Além dos infantis
O menino do dedo verde, Memórias de Emília e A canção de Assis que fizeram
parte do nosso repertório infantil através das quais atendemos com
apresentações por diversos anos consecutivos a rede municipal de ensino.
Desenvolvemos também o Quanta Cultura, mostra de cultura popular
realizada no primeiro sábado de cada mês, onde artistas de diferentes segmentos
e locais puderam desfrutar do espaço para mostrar a sua arte.
Em parceria com a bailarina flamenca Sandra Brás, falecida recentemente,
desenvolvemos um curso de Sevilhanas e Ritmo Flamenco oferecidos gratuitamente
para a população, além de realizarmos com ela muitas apresentações,
performances e encontros inesquecíveis.
Trabalhamos também em parceria com o DAEE de Rio Claro uma mostra
cultural que se denominou “Quanta água pelo cano”, na ocasião em que a
prefeitura municipal realizou a troca das tubulações antigas de transporte de
água por outras novas. Nesse momento, tivemos como parceiros novamente Sandra
Brás, o artista plástico José Roberto Sechi, o escultor Carlos Lacerda e o
músico e compositor Daniel Angi.
Trabalhamos também atendendo a empresas de grande porte como a Whirlpool
de Rio Claro e SESC Birigui, Presidente Prudente e Bauru.
Entre tantas outras coisas, promovemos no final de 2011 a XIV Mostra
Quântica de Teatro que apresentou durante mais de uma semana espetáculos
gratuitos para o público no Centro Cultural, fomos apoiadores do Festival
Nacional de Cinema Independente organizado pelo Grupo Kino Olho e contribuímos
com a publicação de artigos para a revista ‘Cinema Caipira’ organizada pelo
cineasta João Paulo Miranda.
Outro artista que também foi nosso grande parceiro nesses anos todos foi
Renê Mainardi com quem trabalhamos com apresentações em seus saraus entre
outros. Letícia Tonon é outra artista de grande respeito e de nossa admiração
com quem sempre pudemos contar na produção de curtas, performances etc
Foram muitas as pessoas que marcaram nossa história e aproveito o
momento para reafirmar nossa gratidão eterna a todas elas. Posso não me lembrar
de todas no momento, mas não posso deixar de citar além das que mencionei
anteriormente, a colaboração e a amizade de Tiago Buoro, Thiago dos Santos, Val
Morari, Dan Prazeres e Ricardo Andrade. Dona Ângela, Ariovaldo Bueno, Marcos
Gomes, Dona Divanilde, Janaína Augusto da Grasifs, Milton do Sindicato dos
Químicos, Marcão, D. Olga Maurício, também falecida recentemente, Kizie, os
grupos de capoeira da cidade, e todos que fazem parte da resistência negra de
Rio Claro. Com eles pudemos nestes dois
últimos anos trabalhar em conjunto para a Semana da Consciência Negra e outros
eventos da comunidade. Luiz Mioto e Neide, Zulu Kamarão, Guilherme Oráculo, Gil
Farias, Márcio Momesso, Fabiano Franco, Renata Laili entre muitos outros
artistas são pessoas a quem devemos muita gratidão por tudo o que foi
conquistado. Já peço perdão se não citei o nome de alguém, pois é até
impossível lembrar de todos, uma vez que foram muitos os colaboradores e os
amigos que cultivamos ao longo desse percurso.
Em 2011, realizamos o Teatro, Tabaco e Baco, um evento de arte
espontânea e instantânea onde a espontaneidade era a convidada principal e
infalível. Houve também uma parceria com a professora Juliana D’Urso para a
realização de uma oficina de dança e expressões para mulheres idealizada por
ela.
1 2 - Qual a visão que a
Cia Quanta tem da area cultural em Rio Claro?
A tendência do fomento cultural em Rio Claro é sem dúvida ficar cada vez
mais intenso. Desse modo, o que era bom, pode ficar cada vez melhor. Sabemos
que muitos são os problemas que afetam nossa cidade no sentido do
fortalecimento das políticas públicas para a cultura, porém temos a consciência
de que isso não é exclusividade de Rio Claro. A dificuldade de sobrevivência
dos artistas é geral, é nacional, é global. Há cada vez mais gente e menos
espaço, dinheiro então nem se fala. O problema é quando há um número muito
grande de pessoas que se dizem artistas e que por algum motivo deixam de
mostrar seu trabalho.
Isso não pode acontecer. Ser artista é marcar presença, é
participar e, sobretudo, exercer a prática da resistência. Apesar de termos
sido apoiados financeiramente pelo poder público local durante os últimos sete
anos, o nosso trabalho se iniciou sem nenhum recurso material. O que tínhamos
era a vontade de realizar, de sacudir, de mexer com o público, de contar
histórias verdadeiras para as crianças e isso fez toda a diferença. Foram sete
anos (de 1997 a 2004) trabalhando junto à comunidade voluntariamente, a
subvenção surgiu em um momento onde naturalmente necessitávamos de fôlego e
graças à vontade política e à sensibilidade de Cláudio de Mauro, que era
prefeito naquele momento, e de alguns vereadores como Sérgio Desiderá e Raquel
Picelli, conseguimos permanecer na cidade de outro modo e continuando a realizar.
3 - Vão se mudar para onde e porque tomaram essa decisão?
A Cia. Quanta de Teatro não deixa de existir em função da mudança,
gostaria de frisar isso. Ela continua na luta e trabalhando em busca de se
renovar e também de se atualizar. Assim como a vida não pára, o conhecimento e
as inspirações também não. Nos sediaremos em Jundiaí, cidade próxima a São
Paulo, onde o circuito cultural é bastante intenso e onde há novidades e muita
troca o tempo todo. Jefferson Primo, o diretor da Cia. iniciou sua carreira há
trinta anos lá, no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho, eu sou natural
de São Paulo e também por lá tenho minha história. É um bom lugar para um
recomeço feliz.
4 - A Cia recebia apoio da prefeitura para realizar seus projetos. Qual
a visão que a Cia Quanta tem da ultima administração ( prefeito Dú, Secretario
Ney e diretores da cultura... Curinga, Odecio, Orlando.. ? Quem é o Sergio
Desiderá para a Cia? Como é o reconhecimento do teatro (como arte e cultura) e
da Cia dentro da administração local? E reconhecimento na cidade?
Como falei anteriormente passamos a receber esse apoio financeiro de
sete anos pra cá e desde então sentimos que a tendência é que esse tipo de
apoio se amplie cada vez mais. Tenho notado que paulatinamente as prefeituras
municipais têm percebido de modo geral que com cultura também se faz circulação
de dinheiro. Sem dúvida nenhuma, sai na frente aquela, cuja administração
compreendeu isso, pois muita coisa pode ser mudada a partir da cultura,
inclusive violência, analfabetismo, corrupção, a proliferação de doenças por
falta de informação, o número de trabalhadores informais como é o caso da
maioria dos artistas. Além do que o turismo é algo que toda cidade deveria
investir, pois toda cidade carrega sua história, seu patrimônio histórico, seus
artistas. Rio Claro, ainda não chegou nisso, mas não estão sendo poupados
esforços para que isso aconteça. Havemos de compreender também que muitos
artistas lutam em busca de dignidade e autonomia em seu trabalho, porém não
podemos esquecer que autonomia e direitos são coisas que se conquistam, ou
seja, nenhum poder, por mais progressista que seja, atribui autonomia a ninguém
sem luta. É preciso querer para poder e antes de querer é preciso manter-se
consciente de que a trajetória é árdua. Nem me lembro quantas vezes fizemos
apresentações por acreditar nisso, sem dinheiro nenhum nenhum. Quando havia
ainda o trabalho da Cia. na cidade de Jundiaí nos anos de 1992 a 1999, por
exemplo, também sofríamos com falta de espaço e demais problemas. Ensaiamos
debaixo de viaduto, salão de clube desativado, saguão de botequim, em praça
pública e etc. Aqui em Rio Claro também. Nos primeiros sete anos, ensaiamos em
sala de aula emprestada, na sala de visitas na casa de alguém e aos poucos
fomos avançando, persistindo até que pudemos usufruir das salas do centro
cultural, também não sem problemas por se tratar de um espaço público, onde
logicamente devíamos sempre respeitar a programação do local.
Embora as dificuldades sejam inevitáveis, somos muito gratos à
Prefeitura, à secretaria municipal de cultura e à Fundação Municipal de Saúde,
pois sem a credibilidade deles tudo ficaria ainda mais difícil, porém não
impossível...
Penso que antes de criticar a administração atual, devemos lembrar que
Rio Claro tem um legado histórico bastante paradoxal. Ao mesmo tempo que é uma
cidade, cuja história é marcada por ações progressistas e inovadoras, sobretudo
no campo da cultura, é por outro lado extremamente conservadora e esse
conservadorismo, por incrível que pareça, em muitos momentos advém de onde
menos se espera, inclusive de alguns artistas e intelectuais da cidade. Nesse
sentido, creio que se Rio Claro ainda carrega o estigma de ser uma cidade
conservadora, retrógrada ou coisa parecida (pois é isso que se houve falar e
muito), isso se deve principalmente porque seus habitantes como um todo
sustentam de alguma forma essa ideologia. E nesse sentido, para nós, uma pessoa
que podemos considerar o braço forte da resistência em Rio Claro, é sem dúvida
Sérgio Desiderá. Um político que sabe honrar sua cadeira e que compreende as
necessidades de seu povo, além de lutar por melhorias o tempo todo e
apaixonadamente. E foi, assim, com paixão pela arte que Sérgio nos brindou
sempre com seu apoio, sua amizade e sua presença em nossos espetáculos.
Não posso deixar de falar do ex-prefeito Cláudio de Mauro, que com muita
coragem e ousadia procurou alternativas para que nós não sucumbíssemos a todas
as dificuldades que tivemos de enfrentar nos primeiros sete anos na cidade. O
que Cláudio fez para a Cia. Quanta de Teatro não tem preço. A ele nossa
gratidão eterna.
5 - A Cia recebia qual valor, como subvenção, para realizar seus
trabalhos?
No último ano recebemos o equivalente a R$ 85.000,00 ano. Isto dá uma
quantia de R$ 7.084,00 por mês.
6- Qual a visão da Cia com relação ao Sistema Municipal de Cultura e a
abertura de editais para aprovação de projetos?
Ao contrário do que muita gente pensa, subvencionar entidades não é algo
de todo ruim. Um dos aspectos positivos disso é o fato de que a subvenção só
pode ser repassada mediante aprovação de lei. Uma vez aprovada a lei, fica
garantido o repasse independente da administração que esteja na situação, pois
nesse caso, depende da aprovação do legislativo. O ideal é que isso combine com
uma política pública e estratégias para a cultura muito bem delineadas, pois
caso contrário, qualquer um pode reivindicar subvenção e ter seu projeto
aprovado e nem por isso suprir as necessidades do município nem oferecer ao
público um trabalho de qualidade.
Sobre isso, lembro que gostei muito da conversa que tive recentemente
com o secretário de cultura de Araras, o Mussa, que me disse haver entidades na
cidade subvencionadas e que realizam um trabalho muito bom. Lá, não são grupos
subvencionados, mas associações de artistas que ao receberem a verba da
prefeitura fazem a contratação dos artistas para fins diversos como para a
realização de cursos oferecidos gratuitamente para a população, montagem e
apresentação de espetáculos, oficinas diversas etc. Funcionam, portanto, como
conveniadas da prefeitura que terceirizam o trabalho do artista. Claro que para
qualquer trabalhador, essa também não é a condição ideal, mas pode ser um
caminho. A questão é que em Rio Claro a idéia subvenção acabou ficando muito fragmentada,
dando a impressão de que alguns grupos recebem e outros não e é daí que surgiu
a confusão. Porém, convenhamos que com um repasse de sete ou oito mil por mês
não facilita para que entidades como Banda Sinfônica, Quanta ou Kino Olho
contratem artistas para que realizem seus projetos, não porque não querem, mas
porque é impossível.
No caso da Cia. Quanta, por exemplo. Tínhamos a verba e lá vinham as
críticas: “vocês são uma Cia. tem dinheiro, nós não!” – O fato que muita gente
não entendeu é que jamais realizamos o trabalho de uma Cia. de teatro pura e
simplesmente. Se assim fosse, tínhamos que montar espetáculo e apresentar e só,
pois é isso que uma Cia de teatro faz. O nosso trabalho extrapolou os limites
de uma Cia. Na verdade, exercemos nesse tempo todo o papel de uma associação,
onde agregamos artistas, fizemos parcerias, oferecemos cursos (não só de
teatro), promovemos e organizamos mostras como a União Teatral de Rio Claro e
outras e toda essa produção paga com o dinheiro da subvenção. Sendo assim, se
não pudemos dar um cachê digno para os artistas que trabalharam conosco nesse
tempo todo, não foi por mesquinharia, mas por pura impossibilidade.
Agora, a questão do edital me preocupa um pouco, pois o edital vai
contemplar um projeto ou outro e principalmente quem domina a área de
formatação de projetos. Tem muita gente boa que não consegue trabalhar porque
não sabe escrever projeto, por outro lado, tem muita gente ruim trabalhando
porque sabe apresentar um projeto incrível.
Do mesmo modo como para se aprovar a subvenção depende-se dos
vereadores, do secretário de cultura e do Prefeito, para ser aprovado num
edital o projeto também deverá ser avaliado por uma comissão ou algo parecido.
Resumindo, creio que a cidade pode tranquilamente usufruir dos dois mecanismos
para o incentivo e realização de projetos que poderiam se organizar assim:
subvenção para entidades e associações interessadas em trabalhar para o
município propriamente e sua comunidade atendendo aos requisitos da política
pública local (que tem de existir diga-se de passagem) e editais para quem
deseja realizar um projeto particular para fins diversos que não contemplem
somente o município, por exemplo.
7 - Gostariam de fazer alguma consideração ou dizer algo que não foi
dito aqui?
Apenas agradecer pelo interesse do Guia Rio Claro em nos solicitar
essa entrevista e desejar boas inspirações a todos que permanecem lutando por
uma Rio Claro ainda melhor.